domingo, 27 de fevereiro de 2011

Se eu tivesse 4 ex-namorados... (final)


O tempo passa, e coloca as coisas nos lugares, resolve os problemas impossíveis - de um jeito ou de outro, resolve, mesmo se for de um jeito que discordamos, e cria um mundo novo. Cria um mundo tão novo que parece que nada do que aconteceu antes realmente existiu. E aí vem um período in-between, que não sabemos exatamente quando começa ou termina; é aquela janela de tempo em que há serenidade, ou mesmo tédio, mas sendo lá o que for, serve como alicerce para a próxima fase. E nesse meu in-between depois de uma fase "tsunâmica", cresci. Estava incluído nesse crescimento direcionar os olhos para onde não costumava olhar. Eu já o conhecia há alguns anos, já era pra ter acontecido a nossa história, que congelou ainda embrião, por microscópicos, porém eficazes, motivos. O acaso nos separou, e deixou que construíssemos nossas vidas em linhas paralelas, só para termos uma enorme variedade de assuntos para conversar quando sentássemos juntos pela primeira vez, para almoçar. Um dia que nada tinha para ser especial, mas a tarde convenientemente livre me oferecia sua presença, seu sorriso, sua tendência a compartilhar. Ele era uma realidade, com sabor de sonho. Não demorou muito para que nossas realidades e sonhos se entrelaçassem, e se enriquecessem. Ele não era perfeito, mas suas idiossincrasias não eram piores que as minhas. Tínhamos uma coreografia de vida com  dificuldades normais, que o treino diário transformaria em uma dança perfeita e envolvente. Ele era uma surpresa a cada dia, e eu correspondia da melhor forma possível. E não notei que isso poderia ser cansativo para ele. Porque apenas correspondia. Descobri que me tornei alguém egoísta, que responde objetivamente, e nada acrescenta. Logicamente só tive tempo para pensar nessas questões depois que ele pediu um tempo, muito delicadamente, ao fim de um jantar. Eu correspondi, concordando, e respeitando seu tempo. Passados alguns meses, observei meu reflexo inverso quando outra pessoa, que entregou seu coração a ele, parecia fazer com tanta facilidade tudo o que eu, que sentia tanto, não demonstrava. Naquela noite, briguei comigo em frente ao espelho, e não parava de perguntar quando foi que a razão afogou a sensibilidade, os atos espontâneos feitos em nome do amor, quando foi que eu mudei sem perceber, desde quando minha temperatura havia diminuído: "Você ainda tem tudo isto em algum lugar aí dentro. Trate de descongelar. Amadurecer não é se proteger constantemente de sentir dor ou medo. Não acredito que você já tinha seu final feliz e deixou escapar por questões subsconcientes, vai ser idiota assim em Saturno!" Tratei de descobrir onde ele estava e me vesti para ele. Jantei sozinha numa mesa próxima à do casal, deixando passar todas as emoções nos gestos: que estava ali "por acaso", e ao mesmo tempo, que tinha ido mesmo à propósito; que errei e que sabia que não era um bom momento, talvez tarde demais, e ao mesmo tempo, que iria tentar mesmo assim resgatar o que eu perdi de mim; que eu não estava nem aí, e ao mesmo tempo, que estava morrendo de saudades; que eu não o amava tanto assim, e ao mesmo tempo que meu amor seria eterno; que eu estava hipotérmica, e ao mesmo tempo que estava vulcânica. Tanto contraste proposital o desconcentrou, e parte da minha curiosidade em saber se ele ainda sentia algo por mim tinha sido satisfeita. Tendo o cuidado de terminar primeiro o jantar, me levantei para retocar a maquiagem, e na saída, toda essa situação gerou uma discussão acalorada porém sussurrada no corredor. Era nossa primeira discussão, e realmente estávamos descontando nas palavras nossos reais desejos. Senti seu  corpo a milímetros do meu, e seu perfume, e ao calor dos seus olhos, silenciei. Sua frase terminou em reticências, e aquele segundos em que nos olhamos poderiam ter durado uma vida toda. Não existia coisa alguma além de nós naquele momento. Ele olhou para o chão, se afastou, e quebrou o momento: "Você sabe que enquanto estávamos juntos, eu fui completamente, e somente teu. Agora não posso ser teu, porque tenho de ser completamente e somente dela."  - dizia, enquanto apontava discretamente para a namorada. Eu cortei: "E você sabe que eu não sou do tipo que pede alguém para trair, ou que trai." Sem tirar os olhos de mim, ele retrucou: "Então, o que você está fazendo aqui? Se você está aqui para me mostrar quem você é agora, ou que você mudou, desculpe mas foi um péssimo momento. Não posso magoar alguém por causa disso." E já que estávamos tão entrosados no diálogo, perguntei: "E você a ama?" Sim, eu sabia que era a coisa mais previsível que eu poderia dizer, e que provavelmente traria a resposta que iria terminar a noite: "Sim, eu amo, porque amar é uma troca. E eu encontrei isso nela, e não em você." Se era o que eu queria ouvir, estava dito. Se isso resolveria o problema, nenhuma garantia. Outro espaço de tempo. E eu respeitando sua fidelidade, afinal de contas, não queria que se algum dia, ele voltasse, viesse sem o bônus dourado da exclusividade. Mas desta vez, não fria ou passivamente: demonstrava para outros que era consciente do que eu deveria mudar em mim, mas sem esticar conversas; o que eu esticava era o tempo dedicado a programas culturais e lazer sadio. Não deixava que as horas livres fossem preenchidas pelo vazio da sua ausência. E fazia sem medo de que com isso ele pudesse entender que eu não sentia sua falta, tinha certeza de que ele entendia perfeitamente minha mudança, meu estado mais apaixonado com a vida, meu resgate pelo fogo em mim, meu caloroso interesse em manter a chama acesa da felicidade, apesar de qualquer dificuldade. E, enquanto isso, ele magoou alguém. Ele se tornou aquilo que eu consegui transpor. Bem, ela não conseguiu trazê-lo de volta. Ninguém conseguiria, porque este é um caminho a ser seguido só. Fiquei sabendo que, graças a seu jeito educado e carinhoso, o término do relacionamento tinha sido bastante pacífico. Uma parte de mim me mandava procurá-lo imediatamente. Mas a parte da razão ainda existente, embora muito mais equilibrada, ordenou que eu esperasse. Mas ordenou sorridente, e eu obedeci, pronta para qualquer consequência. Confesso que com o passar dos meses, eu tendia a ficar menos sorridente, e a querer voltar pelo mesmo caminho. Mas essa era minha prova final: eu devia mesmo me manter positiva, encarando de frente qualquer sim ou não que a vida me trouxesse. E o caminho de volta que ele provavelmente estava fazendo, demoraria não sei quanto tempo, porque varia de pessoa para pessoa. E numa noite cheia de estrelas, eu estava na varanda, contente com minha própria companhia, e completamente distraída enquanto brincava mentalmente com as constelações, quase não escutei o som da campainha. Abri a porta, e ouvi por alguns segundos suas frases que misturavam racionalidade com descontrole. O descontrole eu conhecia bem, pelo seu olhar, e sabia que seu sinônimo era paixão. Porque é perfeitamente possível amar, e ainda estar apaixonado. E então, o interrompi. Parece que aconteceu ontem, mas já faz um tempo. Hoje ele passa a ser oficialmente meu ex-namorado. Sim, porque pôs uma aliança no meu dedo e pediu para ser meu noivo.

Se eu tivesse 4 ex-namorados... (parte 3)



































Casamento de uma amiga. Convidados, na maior parte, casais. Não que eu me importasse de ir sozinha, mas a pedidos, conheci então pessoalmente, na hora da entrada, quem faria par comigo. Ela disse que se eu não gostasse, era só fazer o sinal que combinamos, e ela seguia outro plano. Saiu do carro com um sorrisinho maroto, e apontou com os olhos: "É aquele." Ah, tudo bem, ela já tinha me contado que o rapaz era tímido, e eu estava resolvida a fazer uma boa ação. Se a conversa fosse chata, deixava ele sozinho, ia curtir a festa, e depois, ia embora. Mas ele procurava o seu par, e deu meia volta. Minha amiga chegou mais perto e brincou: "Vai ficar aí babando ou vai assistir meu casamento? Pelo visto, ele também gostou de você. Acho que acabei de apresentar os próximos noivos." Deu uma risada, e me fez prometer que eu contaria tudo a ela depois. Ele era daqueles homens que nos fazem esquecer a coesão nas frases. Falava pouco, transmitia pensamentos na maioria das vezes, em ações. Ofereceu o braço, e eu, agradeci, torcendo para que meus joelhos permanecessem firmes. Falei o tempo todo, e ele apenas sorria. Dava respostas breves para as minhas nem tão sutis perguntas. Os silêncios, para mim, eram constrangedores. Voltei para a casa com a sensação de ter passado a imagem de imatura e histérica (a julgar pelas frases gaguejadas, e as interrompidas porque tinha me esquecido do que estava dizendo). Na conversa de frente para o espelho, após o banho, ia prometendo que ia virar o jogo, e que da próxima vez, se houvesse uma, seria aquela que o constrangia. Com a amiga casando naquela noite, obviamente, só poderia contar minha  humilde história semanas depois. Enrolada na toalha, acabava de secar os pés, quando tive a ideia de ligar para outra amiga, mas hesitei quando lembrei que teria de contar que agi como uma adolescente. O celular vibrou. Não notei que o número era desconhecido. Ainda rindo sozinha, atendi com voz sensual para brincar com o colega legalzinho do trabalho que de vez em quando ligava para conversar. "Boa noite, L., não aguenta passar o fim de semana sem ouvir minha voz? Hahaha..." E a voz respondeu: "Na verdade, quem fala é o R." O silêncio constrangedor novamente, como eu não percebi que o número era desconhecido? E ele descontraiu, sorrindo, enquanto dizia que não sabia que minha voz era tão sensual ao telefone. Agradeci o elogio, pedi para esperar um pouco, e fui correndo ao quarto pular, dar gritos abafados pelo travesseiro, e perguntar umas dez vezes 'o que eu faço agora?'. Lembrei do que eu tinha conversado comigo mesma, e ao final da conversa, consegui fazer com que ele se soltasse um pouco mais. No meio de tudo isso, L. ligou mesmo, mas esqueci a ligação em espera indefinidamente. Antes de desligar, R. disse que eu era tão bonita quanto minha amiga me descreveu, e pediu permissão para gravar meu número nos contatos. Logicamente, eu permiti, e também me permiti acrescentar que eu o achei completamente diferente do que minha amiga disse que ele era. Ele explicou que sua profissão fazia com que muitos pensassem que sua conversa seria técnica e puramente intelectual todo o tempo, e que entendia meu receio. Daí desculpou-se pelas breves falas durante a festa, e desligamos. A semana foi resplandecente para mim, enxergava alegria onde não existia motivo algum para tal. O L. foi o primeiro a detectar que eu estava apaixonada, assim que o cumprimentei, o resto do planeta, em segundo, e em terceiro, minha amiga que voltava da lua-de-mel na semana seguinte. Meu namorado era definitivamente o primeiro homem que aparecia na minha vida: bem resolvido, destemido, e também  protetor e amoroso. Era o primeiro homem que tinha a coragem de chorar na minha frente, e mostrar suas fraquezas, permitindo que eu estivesse presente na sua vida, e compartilhasse suas alegrias e tristezas. Essa era a parte interna. Quanto à externa, ele era uma desigualdade sociocultural em relação aos outros homens, o que fazia com que muitas mulheres se perguntassem, muitas vezes de forma audível, o que uma obra de arte como aquela estava fazendo comigo. Quase dois anos depois de muitas histórias para contar, minha amiga já começava a me indicar vestidos de noiva, buffets e coisas do tipo. Ríamos do tempo em que, no começo do namoro, algumas pessoas acharam que eu poderia estar me metendo no mesmo problema anterior. Diziam que ele não seria fiel, ou ciumento, ou que deixaria o trabalho sempre em primeiro plano, e eu, em último, que algum defeito ele deveria ter, que estava 'muito bom pra ser verdade'. E era mesmo muito bom: eu não conseguia encontrar algo que me fizesse duvidar de que ele era 'perfeito'. E por isso não consegui me perdoar quando senti que já não sentia mais a mesma coisa. Culpei a mim mesma pela ideia de magoar seus sentimentos, e quando realmente resolvemos conversar sobre isso, acabamos nos magoando. Não era para ser dessa maneira. Ele era perfeito para mim. Mas eu disse que estávamos desencontrados no tempo, e que eu mesma estava muito surpresa com essa situação. Passado um tempo, soube que ele estava de mudança para outro país, por causa da promoção em seu trabalho, e na última vez que nos vimos, ele parecia bem. Conversamos rapidamente, até que chegou alguém que tinha se encaixado muito bem no tempo dele. Eu não senti o ciúme que talvez devesse sentir quando ele a apresentou, e logo depois quando foram embora. Isso me fez ver que nosso breve encontro no tempo foi mágico. Não sei se deveria ou não ter acontecido, mas aconteceu, e eu fico feliz por termos feito parte da história um do outro, não importa por quanto tempo.