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(Conforme prometido...)
Andávamos uns vinte minutos até o centro da cidade, no final da tarde. Mas, já cansados após um dia cheio de atividades, costumávamos parar nas arquibancadas de um campo de futebol. Sentávamos para descansar uns minutos, e um certo dia, eu perguntei: "Você gosta de morangos?" E você disse que sim. No dia seguinte, comprei duas caixinhas de morangos, e guardei para o próximo dia. Desta vez, sentamos e comemos morangos. Conversamos, fizemos planos para o nosso futuro, rimos de coisas simples, e continuamos andando. Por anos seguidos, segui com esta imagem de nós dois, sempre que via caixinhas de morangos no mês de maio. Esta imagem tão singela de nós dois, que mostrava cumplicidade, sinceridade, e vontade de estar junto...sempre.
No entanto, até as imagens que guardamos intactas nas nossas mentes mudam, ou simplesmente mofam. Esperava que isso pudesse acontecer comigo. Mas o que aconteceu de verdade era aquilo que eu nunca poderia prever. O plástico que lacrava meus sonhos, com o tempo, ficou tão empoeirado, que, apesar dos conselhos para simplesmente livrar-me deles, decidi pegar um paninho macio de esperança, mergulhar no sabão pastoso da persistência, e limpar. Daí, sim, eu poderia contemplar novamente todas as vontades nossas que permaneceram lacradas, todos os presentes que te dei que não foram aceitos, mas devolvidos sem nunca terem sido tirados das caixas. Limpei cuidadosamente, num fim de semana tranquilo, de sol calmo, e céu azul. E guardei ordenadamente nas prateleiras do meu coração.
Num outro dia irritantemente cinza, frio e chuvoso, decidi abrir as embalagens lacradas. Se não pude construir estes sonhos, realizar estas vontades contigo, então eu imaginei que talvez algo eu pudesse fazer sozinha; colocar em prática nossos planos, e imaginar simplesmente você ao meu lado, comemorando comigo o prazer de ter alcançado a alegria e o alívio que vem depois da luta para atingir um objetivo. Estava tão ansiosa que não abri como se deve, e fui simplesmente, enquanto chorava e sorria nervosa, furando a embalagem com meus dedos e arrancando o fino, mas firme obstáculo que você permitiu que outros construíssem entre nós. Mas qual não foi minha surpresa ao encontrar as caixas quase vazias, apesar de parecerem cheias por fora! Eu pensava que meu olhos tinham enlouquecido; eu dizia repetidamente: "Mas os seus sonhos também estavam aqui junto com os meus, eu sei, eu vi! Eu sei, eu vi! Eu sentia que sim..." Pura verdade, eu não vi coisa alguma, eu apenas senti que sim. Enquanto comia os morangos, não reparei que você comeu apenas dois. Enquanto abria meu coração, não reparei que você apenas ouvia, sem compartilhar. Enquanto ria com você, não reparei que você apenas sorria, talvez para não me contrariar. Enquanto havia grandes silêncios no meio de nossas conversas, não reparei que você não quebrou o silêncio, abrindo seu coração também. E nesses silêncios, eu não desconfiei de absolutamente nada. E criei a falsa imagem dos seus sonhos junto com os meus na mesma embalagem lacrada. Eu simplesmente não reparei que você lacrou a embalagem com o meu coração sozinho dentro. E me devolveu o presente. Eu si o que queria tanto ver. Mas que agora acho que não existia. E se existiu algum dia, viveu num espaço apertado e utópico, entre uma vírgula e outra de seus gestos hesitantes.
E eu virei um único morango, rubro de vergonha, por ainda não ter conseguido te esquecer.