segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Ding, dong...

Quando era pequena, tinha medo de um relógio carrilhão que ficava no cômodo ao lado do meu quarto. Naquele cômodo, não havia cortinas, e o eco que a melodia imitando sinos produzia evidenciava-se muito mais à noite, quando o silêncio era muito maior. Ele tocava uma melodia inteira para cada hora inteira, e então vinham as aterrorizantes badaladas. Uma hora, duas, três, quatro, eram bem suportáveis para mim, mas oito, nove, dez badaladas, ou mais, me faziam tremer. Eu me encolhia debaixo das cobertas, e deixava os olhos semi abertos. Fechar os olhos, para mim, era me concentrar ainda mais no som, e isso eu não suportaria. Mesmo pela manhã, não gostava do som do relógio. Mas não me importava com os tic-tacs, e passava algum tempo admirando e brincando com o pêndulo insistente. Quando o pêndulo ficava muito vagaroso, eu observava meu avô pegar cuidadosamente o relógio, e colocá-lo para funcionar novamente. Não gostava quando ele deitava o relógio no colo para consertar algum detalhe. Não gostava porque ele era de madeira, e mais me parecia um pequenino caixão. Os anos se passaram, e chegou o dia em que o carrilhão também foi vencido pelo tempo. Mas mesmo ali, no canto que funcionava como sótão, junto com tralhas velhas e empoeiradas, ele não parecia inofensivo. Parecia me olhar nos olhos, como se quisesse dizer que o tempo passa e não volta nunca mais, e que por isso eu devia aproveitar cada precioso segundo na vida. Eu achava que o velho carrilhão destoava dos outros objetos, e que ele era muito valioso, mas restaurá-lo, para mim significava que ele voltaria a ter poder sobre meus medos outra vez. E por isso exerci o único poder que tinha sobre ele ao deixá-lo perecer.
Esses pensamentos e sentimentos convulsivos vinham à tona ao repicar de qualquer sino: um temor inexplicável e, ao mesmo tempo, uma atração irrefreável. A atração me impulsionava a contemplar, e o temor, a querer manter distância. Eu tinha, assim como todos têm, um objeto e um som que evoca sentimentos, e até entender que isso era aquilo, o sino, para mim, era um mistério, sendo grande ou pequeno, tocando literalmente, ou sendo imitado por alguma melodia. O relógio, eu sabia que ia superar, o sino, não.
Na verdade, eu só tinha medo da transitoriedade do tempo e da vida, e de como certas coisas parecem apenas sonhos que tivemos quando viram passado.

Um comentário:

Kuriozza disse...

Adoro antiguidades mas detesto aqueles porta retratos com fotos beeeem antigas da casa da vovó. Eu tenho um pouco de medo. =|

Beijos!